Há 1 ano, gari arrecada pão e água para doar
a usuários da Cracolândia
José Carlos Matos, de 47 anos, sai de Embu
das Artes, na Grande São Paulo, e pega três ônibus para chegar ao terminal
Princesa Isabel e fazer as doações.
Há 1 ano, gari arrecada pão e água para doar
a usuários da Cracolândia
Tem um grito que é conhecido e esperado na
Cracolândia: “Olha o pão, meus irmãos!” É o anúncio de que o gari José Carlos
Matos, de 47 anos, chegou para distribuir pão e água aos usuários de drogas da
região. Há um ano ele sai de Embu das Artes, na Grande São Paulo, pega três
ônibus e percorre mais de 30 km para chegar ao terminal Princesa Isabel e fazer
as doações.
A voz e o trabalho voluntário de Matos já
são conhecidos. A doação era feita duas vezes na semana, mas foi intensificada
após a ação da Prefeitura e do governo do estado para tentar acabar com o
tráfico de drogas na Cracolândia.
“Eu vinha toda quinta e todo sábado, mas
depois que a polícia invadiu aqui dentro do recinto deles, estou vindo todo
dia”, disse José Carlos. A operação policial fez a concentração de usuários de
crack migrar da Alameda Dino Bueno para a Praça Princesa Isabel.
Apesar de ser católico, ele é conhecido como
“pastor” pelos usuários, porque anda com uma Bíblia embaixo dos braços e gosta
de ler salmos. “Pastor, você já me conhece há um bom tempo, estava sempre
drogada, né?”, pergunta uma moça ao receber um pão. Ele afirma que sim. “Deus
tocou meu coração, irmão, eu não uso mais”. Os dois se abraçam e José chora.
Às padarias, José Carlos pede os pães que
sobraram. Os galões de água, ele enche em lojas da região. José faz as
distribuições na tenda do Braços Abertos - o que sobrou do programa de redução
de danos da gestão do ex-prefeito Fernando Haddad para acolher dependentes
químicos da região - , e na Praça Princesa Isabel. A leva de pães acaba rápido.
O galão é recarregado várias vezes em uma mesma tarde. “Já chegou dia que eu
cheguei a distribuir mais de 200 litros de água para essas vidas que estão
perecendo”.
O galão no ombro, diz José Carlos, o lembra
de quando tinha que ir buscar água com um pote na cabeça, em sua infância em
Chapada do Norte, em Minas Gerais. “A minha infância que eu passei não foi boa,
passei sem pai sem mãe, eu sei o que é o sofrimento da vida. Eu tenho muito dó
daqueles que eu vejo sofrendo diante de mim também”.
Enquanto caminha na Rua Helvétia, uma
adolescente de 19 anos pede pão, que já tinha acabado, e José entrega sua
própria marmita, que tinha arroz, feijão, carne e farofa. Enquanto come, ela
conta: “Esses dias eu estava lá na praça, com cinco pedras [de crack] na mão,
ouvi o senhor gritando olha o pão, irmão’, e aquilo bateu na minha mente,
joguei as cinco pedras no chão”.
O gari trabalha no período noturno na região
de Moema, dorme de manhã em Embu das Artes, e depois parte para a saga das
entregas, na Luz. “Quanto mais eu faço o bem, mais vontade de fazer eu tenho.
Isso que me dá força, isso que me dá ânimo para eu lutar pelas vidas. Essa
batalha nós só vamos vencer no amor. Não é ignorância, não é violência, não
resolve nada”.
Fonte: Portal G1
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